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Apesar de décadas de relativa ‘paz’ e esforços recentes para promover a igualdade de género, mulheres e raparigas em Moçambique continuam a experimentar uma insegurança desproporcional. Um novo relatório divulgado hoje pela Associação Sócio-Cultural Horizonte Azul (ASCHA), uma organização feminista da sociedade civil moçambicana, e o Programa Mulheres, Paz e Segurança da Universidade Columbia revela a importância de um entendimento amplo de ‘paz e segurança’ para explicar a insegurança enfrentada por mulheres e raparigas moçambicanas em suas vidas quotidianas.
Durante os 16 Dias de Activismo contra a Violência de Género que acontece agora, esse relatório evidencia uma visão inclusiva de paz e segurança, que contempla em sua integridade questões de violência humana quotidiana e bem-estar, tais como a violência baseada em género. Também fornece uma perspectiva importante ao destacar o trabalho de uma organização comunitária de base, liderada por mulheres, promovendo avanços para uma paz sustentável.
Por meio de um projeto visual participativo com mulheres de vários bairros de Maputo, Moçambique, este relatório sugere que a paz, como é tradicionalmente entendida, deveria incluir questões de segurança humana e bem-estar quotidianos, para além da guerra e do conflito armado. As vozes das mulheres apresentadas nesse relatório enfatizam a urgência de se reconhecer as várias formas de insegurança que mulheres e raparigas experimentam, principalmente em espaços públicos — desde como as raparigas são tratadas nas escolas, até quão seguras as mulheres se sentem caminhando por suas comunidades. Estas também ecoam o recente ímpeto ao redor do mundo, tanto por académicos como por formuladores de políticas públicas, que provaram a existência de ligações estruturais fundamentais entre os problemas relacionados a género na segurança quotidiana, a desigualdade estrutural, a sustentabilidade e a paz duradoura para todos e todas.
Uma visão inclusiva de paz e segurança
Os relatos explorados neste relatório trazem à luz uma visão matizada sobre o quotidiano de mulheres e raparigas em Maputo e suas experiências de paz e segurança na vida quotidiana. Suas reflexões reafirmam a necessidade de uma compreensão holística de paz e da segurança que se expande para além do contexto de guerra e conflito armado.
“Todos os dias a polícia e o exército são treinados, mas é importante pensar sobre segurança social no que se refere à liberdade,” disse Berta de Nazareth, activista da ASCHA. “Porque se eu sou livre, eu poderei me sentir segura para opinar, fazer as minhas críticas de forma construtiva ou não, mas tirar aquele que é meu pensamento, não é? Isso também seria a paz que eu poderia ter.”
Berta e as outras jovens que participaram deste projeto definiram a paz como essencialmente fundamentada em relacionamentos e forneceram exemplos reais das condições e situações que ameaçam seus meios de vida. Essas são realidades que muitas vezes não são colocadas como eixo central nas políticas públicas mas que, ainda assim, afectam negativamente a mobilidade, a sensação de segurança e a presença pública das mulheres como agentes iguais perante a sociedade.
Um holofote sobre o activismo popular
Organizações de base lideradas por mulheres, tal como a ASCHA, são essenciais para identificar e responder a essas experiências enviesadas de paz e segurança.
“A paz [em Moçambique] ainda é uma miragem ou um sonho, porque as pessoas, especialmente mulheres, raparigas e crianças, vivem em insegurança, com violência, em casa, na comunidade e até no país em geral,” afirma Dalila Macuacua, co-fundadora da ASCHA.
As membras da ASCHA nomearam as várias maneiras por meio das quais mulheres e raparigas mobilizam-se e advogam todos os dias para melhorar as condições de vida dentro e entre suas comunidades. As discussões sobre a necessidade de se melhorar a infra-estrutura pública, assim como a dissolução de normas e expectativas de género, não são exclusivas ao contexto de Maputo, mas são questões comuns a cidades no mundo todo.
As vozes deste relatório apresentam uma perspectiva de paz e segurança que nem sempre é destacada, mas que é fundamental para a experiência de vida das pessoas — de que “os espaços públicos deveriam pertencer a nós”.
Ao fornecer uma fotografia das experiências vividas e dos conhecimentos fundamentados das participantes, este relatório apresenta uma visão reimaginada de paz e segurança que conecta estes conceitos às temáticas de segurança quotidiana, desigualdade estrutural e bem-estar por meio de uma perspectiva de género. Sugere também que dar maior atenção e levar mais a sério as vivências de mulheres e raparigas poderiam fornecer um caminho para o alcance de uma paz sustentável, em Moçambique e além.
O relatório está disponível aqui.
A Associação Sócio-Cultural Horizonte Azul (ASCHA) é uma organização feminista da sociedade civil moçambicana de Maputo que luta para promover e proteger os direitos humanos e a igualdade de género, especialmente nas comunidades peri-urbanas e rurais de Moçambique. A organização cria e fornece espaços importantes para o envolvimento da comunidade sobre questões sociais e de género, particularmente focadas no empoderamento de grupos vulneráveis, como crianças, raparigas e mulheres jovens.
O Programa Mulheres, Paz e Segurança (WPS) da Universidade Columbia, liderado pela Prémio Nobel da Paz Leymah Gbowee, contribui para uma maior compreensão global e regional dos diversos papéis que as mulheres desempenham para influenciar com sucesso a paz sustentável e promover a segurança humana por meio do activismo diário. Por meio da educação, serviço público e pesquisa, o programa WPS promove a visibilidade e as trocas de conhecimento entre as mulheres transformadoras, tanto doméstica quanto internacionalmente, e divulga as lições aprendidas com suas experiências.